Em rochas oriundas da Austrália, com idade em torno de 2,8 bilhões de anos, foram encontradas cadeias de filamentos que muito se assemelham às cianofícias filamentosas (algas azuladas) de hoje. No entanto, os primeiros fósseis que realmente mostram organismos multicelulares são oriundos do Lago Superior, na América do Norte, e têm 2 bilhões de anos. Nesses fósseis foram encontradas as primeiras evidências de mecanismos de proteção ao oxigênio e à foto-oxidação em cianofíceas. Uma análise centrada nas mudanças químicas que acompanharam essa evolução está apresentada no Quadro 2, e nos mostra que o período mais crítico vivido pela nossa atmosfera foi há aproximadamente dois bilhões de anos, quando os organismos passaram a realizar a fotossíntese. É sabido que para gerar uma nova célula um organismo necessita de matéria e energia. Devido às características redutoras da nossa atmosfera primitiva, a biomassa era gerada através da fermentação, processo que ocorre também nos dias atuais (vide a produção de álcool a partir da cana-de-açúcar, a produção do vinho etc.). No entanto, mesmo nesse ambiente fortemente redutor, organismos fotossintéticos começaram a aparecer há dois bilhões de anos, o que a princípio nos parece uma tentativa de suicídio coletivo. Na fotossíntese, a biomassa é produzida por meio da redução do CO2 em presença de água e luz solar, conforme mostrada na equação (1).
n CO2 + n H2O → {CH2O}n + n O2 (1)
Box: O significado biológico da razão 13C/12C ou do δ 13C. Durante a fotossíntese, as plantas promovem o fracionamento dos isótopos do carbono. Essa diferença isotópica entre o teor de 13C e 12C do CO2 fixada nas plantas fica assim registrada nos diferentes compostos orgânicos que constitui a matéria orgânica vegetal. Existem 3 ciclos fotossintéticos na natureza: as plantas C3, as C4 e as plantas CAM (ciclo do ácido crassuláceo) que discriminam os isótopos do carbono diferentemente. Embora todas concentrem mais 12C do que13C, as plantas C3 são as que mais discriminam quando comparadas com as C4. As C3 têm composição isotópica na faixa de -34 a -24 ‰ (partes por mil) e as C4 na faixa de - 16 a 9 ‰; as plantas CAM, uma vez que fixam CO2 sob luz usando o ciclo C3 e no escuro usando o ciclo C4, têm composição isotópica intermediária às plantas dos outros dois ciclos, ou seja, entre -29 a -9 ‰. Decorrentes disto, os sedimentos podem atuar como registro histórico das contribuições das diferentes fontes de matéria orgânica de um ambiente através de δ 13C. Outro processo que promove um fracionamento isotópico é a precipitação de fases minerais tais como o carbonato de cálcio (CaCO3) na forma de calcita, por exemplo. Esse processo, quando promovido sob equilíbrio isotópico entre o carbonato cristalizado e o carbono inorgânico dissolvido, estabelece uma diferença isotópica de 13C tal que, a grande maioria dos carbonatos formados em tempos geológicos têm um δ 13C da ordem de zero; as rochas marinhas têm uma composição moderadamente constante através dos períodos Cambriano e Terciário. Já as rochas de sistemas de águas doces têm composição muito variável e com composições mais leves de13C (isto é, teores menores de 13C), graças ao equilíbrio com um reservatório de carbono inorgânico dissolvido que também tem composição mais leve nestes isótopos exatamente devido à atividade. Portanto, a existência de rochas carbonáticas com valores de δ 13C mais leves representam indícios de atividade biológica no período em que o carbonato se formou, sendo, por conseguinte um forte indício de vida no ambiente aquático naquele período.
Sabendo-se que o oxigênio é um agente oxidante muito poderoso (basta cortar uma maçã e deixá-la exposta ao ar por poucos minutos e você verá o quanto nossa atmosfera é oxidante) e que os organismos que habitavam a Terra não poderiam sobreviver em uma atmosfera rica em O2, uma das perguntas que normalmente se faz é: por que apareceram os organismos fotossintéticos? A explicação mais plausível é que a fotossíntese fornece 16 vezes mais energia aos organismos do que a fermentação. Desse modo, os organismos agora tinham um ganho energético muito atrativo, mas um preço muito alto a pagar: a toxicidade de um dos produtos da fotossíntese, o oxigênio. Assim, os organismos tinham que se proteger desse agente até então virtualmente inexistente na atmosfera, seja pela adaptação bioquímica de seus organismos, seja evitando a exposição ao mesmo. Ou ambos! Vamos voltar a imaginar a nossa atmosfera há dois bilhões de anos, onde o oxigênio começa a se formar fruto da fotossíntese. Sabendo que a radiação UV que atingia a crosta terrestre era intensa e muito energética, o excesso de oxigênio era fotoquimicamente transformado em ozônio, de acordo com as reações (2) e (3):
O2 + hν → O• + O• (2)
O• + O2 + M → O3 + M (3)
Fruto destas reações químicas, a nossa atmosfera deve ter se transformado em um ambiente duplamente oxidante, pois além do oxigênio, agora também havia ozônio na baixa troposfera, tal qual o processo químico que ocorre hoje na nossa estratosfera, a mais de 15 km de altura, e que nos protege das radiações ultravioleta perniciosas. Nesse ambiente altamente tóxico para os organismos fermentativos e facultativos, só restava buscar a proteção em um local: embaixo d'água, nos oceanos, onde o ozônio é pouco solúvel e a radiação UV penetra apenas nos primeiros centímetros. Por mais 500 milhões de anos os organismos viveram evitando o ambiente oxidante, adaptando-se bioquimicamente a essa nova realidade através da produção de enzimas protetoras de espécies altamente reativas como os radicais oxigenados. Enquanto isso, a concentração do oxigênio aumentava na troposfera, e com isso a camada de ozônio ia ficando cada vez mais elevada, distante da crosta terrestre. Finalmente, os organismos hoje ditos aeróbios foram cada vez mais se adaptando ao aumento da concentração de oxigênio na atmosfera, até que nestes últimos 500 milhões de anos eles saíram da água para povoar a terra seca. Resumidamente, foram necessários mais de um bilhão de anos para que esses organismos (e muito mais recentemente o homem) se adaptassem ao maior impacto ambiental que a Terra já vivenciou, ou seja, a mudança da uma atmosfera redutora para altamente oxidante como esta em que vivemos nos dias atuais, contendo em torno de 21% de oxigênio. |
As lições a serem aprendidas As mudanças químicas que ocorreram na atmosfera terrestre nos ensinam uma grande lição: independentemente da complexidade bioquímica dos organismos, do número de indivíduos e do seu posicionamento dentro da cadeia alimentar, é necessário um tempo muito longo para que haja a perfeita adaptação de qualquer espécie viva às novas condições ambientais. O oxigênio levou mais de 1,5 bilhão de anos para sair de uma concentração de traços e atingir os atuais 21%. No entanto, parece que os homens não estão muito atentos ao fato de que nestes últimos 150 anos houve uma mudança bastante apreciáveis na concentração de alguns gases minoritários presentes na nossa atmosfera. O dióxido de carbono vem crescendo a uma taxa de 0,4% ao ano e o metano a 1% ao ano, enquanto os CFC's (clorofluoro carbonetos) crescem a uma assustadora taxa de 5% ao ano, quadruplicando sua concentração média na atmosfera nas últimas quatro décadas. Todos estes gases, ainda que minoritários, têm uma função muito importante na química da atmosfera, pois alguns são gases causadores do efeito estufa, outros destroem a camada de ozônio e alguns dos CFC's apresentam ambas as propriedades com altíssima intensidade. Cabe lembrar que a Terra sempre foi beneficiada pelo efeito estufa, devido à presença de vapor d'água e CO2 na troposfera. Sem o efeito estufa, a temperatura média na superfície do globo ficaria abaixo de -15 °C, nosso planeta seria uma esfera rica em água no estado sólido e certamente não propícia ao aparecimento de vida pela falta de um fluido de escoamento. Ou seja, o efeito estufa bem dosado é benéfico e essencial para a manutenção da vida, mas um aquecimento descontrolado do planeta traria conseqüências funestas para o mesmo. Portanto, nossa preocupação com as mudanças químicas que ocorrem na atmosfera devem ser centradas não nos gases majoritários, mas principalmente naqueles minoritários que estão crescendo a uma velocidade tão elevada que, tudo indica, não teremos tempo de nos adaptar a uma nova situação, caso esse aumento venha a alterar o nosso clima ou a intensidade da radiação UV que chega até a crosta terrestre. E o mais importante é que na questão ambiental a precaução é o melhor remédio, pois grande parte das mudanças químicas que ocorrem na atmosfera, se não são irreversíveis, levam muito mais tempo para serem remediadas do que se fossem prevenidas. Resumindo, em qualquer assunto ligado à preservação ambiental, prevenir é sempre melhor do que remediar.
Referências BAUGH, M. Aerobic evolution - a fascinating world. Educ. Chem., v. 28, p. 20-22, 1991.
JARDIM, W.F. e CHAGAS, A.P. A Química Ambiental e a hipótese Gaia: uma nova visão sobre a vida na Terra? Quim. Nova, v. 15, p. 73-76, 1992.
LOVELOCK, J.E. Gaia; a new look at life on Earth. Oxford University Press 157, p., 1982.
SHEAR, W.A. The early development of terrestrial ecosystems. Nature, 1991.
WAYNE, R.P. Origin and evolution of the atmosphere. Chem. Brit., v. 24, p. 225-230, 1988.
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